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South African Chronics II – The differences

– O que é eleição? – perguntou Mohammed* durante uma conversa sobre as diferenças políticas entre os países na aula.

Mohammed é muçulmano, tem 20 anos e vai ficar seis meses na Cidade do Cabo. Na mesma faixa etária, tem dezenas de outros árabes na minha escola de inglês, que costumam ficar por esse tempo aqui. Eles amam futebol, torcem para o Real Madrid, mas adoram o Neymar. O plano para a despedida é alugar uma suíte grande em um dos melhores hotéis da cidade para passa a última noite na cidade. Oficialmente, não bebem, mas fumam um cigarro atrás do outro.

Durante uma aula falávamos sobre as semelhanças entre Brasil e África do Sul (detalhes em outro post). A professora contou que era comum invasões em casa para furtos. Eu disse que furtos também eram muito comuns no Brasil, principalmente de celular. Mohammed ficou surpreso.

Para ele, que já viajou por diversos países com o pai – empresário do ramo de jóias-, esse tipo de crime é inadmissível. Explicou que no país dele ninguém nem pensa em cometer crimes como furtos e assaltos. E, como uma naturalidade que me deixou perplexa, disse que quem furta, perde a mão no país dele. Então, ninguém faz.

Mohammed também contou que não existem moradores de rua nem favelas na Arábia Saudita. O governo ajuda com diversos benefícios quem tem a “ficha limpa”. Cada pessoa tem um número no cadastro do governo.

luta continua

Instalação na Suprema Corte da Africa do Sul; A Luta Continua é o nome de uma música da Miriam Makeba

Estudo, porém, não é forte do país. Por isso, até mulheres sauditas são estimuladas a estudar fora. Conheci uma menina na minha escola que sonha em trabalhar com educação e relações internacionais. Para isso, pretende estudar nos Estados Unidos, mas o pai ofereceu bancar tudo se ela ficar em Dubai. Infelizmente, não tenho foto dela. Ela ligou pedindo autorização para o pai para sair em uma foto com a turma, mas ele não deixou (mulheres muçulmanas não podem ser fotografadas).

Era uma semana de diversas ataques do Estado Islâmico e eu e Pierre*, um francês que morou no Brasil e em Moçambique, questionamos Mohammed sobre o porquê que o governo saudi não interferia na situação. Mohammed me mostrou uma resignação que me deixou indignada. Como os saudis não podem falar sobre política, não podem questionar o seu rei, eles simplesmente não tocam no assunto (pois podem morrer ou serem expulsos do país e perderem todos os benefícios estatais).

Foi quando falamos sobre eleger um governante e não ser governado por um rei e ele perguntou o que era eleição. Eu, inconformada com a pergunta, ameacei retrucar, quando Pierre me interrompeu, segurando pelo braço:

– Julianna, a luta continua.

Pierre é aposentado do setor elétrico. Envolvido com o sindicalismo francês, no fim da década de 80, trabalhou em parceria com sindicatos brasileiros em projetos sociais na Baixada Fluminense. Apesar de estar sempre de bom humor, ele acha que precisamos de uma grande catarse caótica para recomeçarmos.

– Não tem saída, Julianna. Olha essa juventude.
*nomes ficticios

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