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South African Chronics IV – Township

Khayelitsha (casa nova em Xhosa) é a segunda maior township (favela) da África do Sul (a primeira é Soweto, em Johannesburgo) e fica a cerca de 30 km do centro da Cidade do Cabo. A região nasceu durante o apartheid para separar os negros dos brancos, que viviam no centro da cidade. Para trabalhar no centro, ou seja, servir os brancos, os negros tinham passes que os autorizavam a circular na região apenas durante o horário de trabalho. O transporte, inclusive, é precário até hoje. São poucas linhas de ônibus, o meio de locomoção mais comum é feito por vans, chamadas de minibus ou taxi, que custam de 7 a 8 rands e onde costumam acontecer estupros.
O último censo que encontrei, de 2011, diz que Khayelitsha tem 391.749 moradores, 99% negros e 74% das família com renda igual ou menor a 3.200 rands (835 reais). Muitas casas, como em todas as townships da África do Sul, são de lata, os banheiros ficam do lado de fora, não tem sistema de abastecimento de água e o esquema de gato é comum pela falta de energia elétrica para todos (e por ser cara).
Foi nessa região que a Renata Galvão, brasileira residente na Cidade do Cabo, encontrou a safe house (lar temporário que recebe crianças em risco ou abandonas levadas pelo Serviço de Assistência Social) Qaqmbani, que recebeu o apelido de Casa da Mama. A Mama adotou 13 dessas crianças, que chegaram lá ou porque foram achadas numa lata de lixo ou porque tem Aids e foram abandonadas, ou ainda simplesmente chegaram sem ter uma história.
A Casa da Mama era de lata e o banheiro ficava do lado de fora. A Renata organizou um crowdfunding e construiu uma casa de tijolos de 3 quartos e com banheiro dentro (afora isso, ela está sempre presente na vida da família e ajudando como pode). Foi nesse lugar, que tive o privilégio de conhecer (tem muito sul-africano que nunca pisou lá), que eu percebi o quanto amor e respeito fazem diferença na vida de uma criança. Parece papo de igreja envagélica ou de hippie, mas não é.
Na Casa da Mama, todos são tratados iguais (inclusive o filho “legítimo” dela). Da mais velha, de 18 anos, super responsável e consciente, ao mais novo, que ajuda a cuidar do bebê recém-chegado, todos são extremamente educados, respeitosos e muito amorosos. Os meninos adoram futebol e dançar, uma das meninas ganhou o prêmio de melhor projeto de ciência da escola. Ah, e todos estão na escola. A Mama faz questão.
Como esse histórico de abandono e pobreza, crescendo numa região violenta (Khayelitsha também é conhecida pelo alto índice de criminalidade, essas crianças tinham tudo para serem agressivas, revoltadas, mal-educadas. Mas o que se vê na Casa de Mama é o oposto de tudo isso. Reinam o amor, o respeito e a esperança de que elas e nós podemos ser pessoas melhores.

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Fotos aqui

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South African Chronics II – The differences

– O que é eleição? – perguntou Mohammed* durante uma conversa sobre as diferenças políticas entre os países na aula.

Mohammed é muçulmano, tem 20 anos e vai ficar seis meses na Cidade do Cabo. Na mesma faixa etária, tem dezenas de outros árabes na minha escola de inglês, que costumam ficar por esse tempo aqui. Eles amam futebol, torcem para o Real Madrid, mas adoram o Neymar. O plano para a despedida é alugar uma suíte grande em um dos melhores hotéis da cidade para passa a última noite na cidade. Oficialmente, não bebem, mas fumam um cigarro atrás do outro.

Durante uma aula falávamos sobre as semelhanças entre Brasil e África do Sul (detalhes em outro post). A professora contou que era comum invasões em casa para furtos. Eu disse que furtos também eram muito comuns no Brasil, principalmente de celular. Mohammed ficou surpreso.

Para ele, que já viajou por diversos países com o pai – empresário do ramo de jóias-, esse tipo de crime é inadmissível. Explicou que no país dele ninguém nem pensa em cometer crimes como furtos e assaltos. E, como uma naturalidade que me deixou perplexa, disse que quem furta, perde a mão no país dele. Então, ninguém faz.

Mohammed também contou que não existem moradores de rua nem favelas na Arábia Saudita. O governo ajuda com diversos benefícios quem tem a “ficha limpa”. Cada pessoa tem um número no cadastro do governo.

luta continua

Instalação na Suprema Corte da Africa do Sul; A Luta Continua é o nome de uma música da Miriam Makeba

Estudo, porém, não é forte do país. Por isso, até mulheres sauditas são estimuladas a estudar fora. Conheci uma menina na minha escola que sonha em trabalhar com educação e relações internacionais. Para isso, pretende estudar nos Estados Unidos, mas o pai ofereceu bancar tudo se ela ficar em Dubai. Infelizmente, não tenho foto dela. Ela ligou pedindo autorização para o pai para sair em uma foto com a turma, mas ele não deixou (mulheres muçulmanas não podem ser fotografadas).

Era uma semana de diversas ataques do Estado Islâmico e eu e Pierre*, um francês que morou no Brasil e em Moçambique, questionamos Mohammed sobre o porquê que o governo saudi não interferia na situação. Mohammed me mostrou uma resignação que me deixou indignada. Como os saudis não podem falar sobre política, não podem questionar o seu rei, eles simplesmente não tocam no assunto (pois podem morrer ou serem expulsos do país e perderem todos os benefícios estatais).

Foi quando falamos sobre eleger um governante e não ser governado por um rei e ele perguntou o que era eleição. Eu, inconformada com a pergunta, ameacei retrucar, quando Pierre me interrompeu, segurando pelo braço:

– Julianna, a luta continua.

Pierre é aposentado do setor elétrico. Envolvido com o sindicalismo francês, no fim da década de 80, trabalhou em parceria com sindicatos brasileiros em projetos sociais na Baixada Fluminense. Apesar de estar sempre de bom humor, ele acha que precisamos de uma grande catarse caótica para recomeçarmos.

– Não tem saída, Julianna. Olha essa juventude.
*nomes ficticios

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South African Chronics I – The Muslim neighborhood

– Você é muçulmana?
– Sim, mas eu não sou terrorista – me respondeu rindo a dona da casa, que estava sem seu hijab.

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Esse foi um dos meus primeiros diálogos quando cheguei na casa da família que me abrigou por um mês em Cape Town. Como minha viagem foi fechada em cima da hora, não pude escolher onde iria ficar e acabei não fazendo muitas questões. E, confesso, fiquei surpresa quando cheguei.

A casa fica em Bo Kaap, o bairro muçulmano localizado na região central Cape Town. A área, ponto turístico conhecido pelas casas coloridas –muitas delas abrigam estudantes estrangeiros- , não tem uma fama muito boa. Apesar da simpatia e hospitalidade dos moradores, todos aconselham a não andar sozinho à noite pelo bairro. Durante o período que fiquei lá, um estudante abrigado na casa vizinha a minha foi assaltado na nossa rua.

Na Jordaan Street, onde fiquei, descobri uma casa de dois andares com escritos que não faço ideia do que significam, uma bandeira e uma sentença: Hamas. Infelizmente, não me atrevi a perguntar para a família que me recebeu o que era exatamente aquele lugar. O assunto no bairro e entre os sauditas da minha escola de inglês (são muitos) é tabu. Um saudi, que ficou algumas semanas na minha sala, ao ser questionado por uma outra brasileira sobre terrorismo, fingiu não estar entendendo o inglês dela. Na maioria das vezes é assim que eles não respondem ao serem confrontados sobre o tema.

Em outubro, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, que assinou um documento em apoio a causa palestina, recebeu em Pretoria o chefe do Hamas, Khaled Meshaal. Na visita, Meshaal comparou a luta contra o apartheid com a luta pela criação do estado palestino. Mandela, assim como seu partido (ANC), sempre apoiaram a Palestina.

Achei uma matéria do “Mail & Guardian” de outubro que diz que a ANC (partido de Zuma e de Mandela), na época, estava discutindo se o Hamas poderia abrir ou não um escritório na África do Sul. Em outro jornal, Meshaal afirmou que abriria o escritório “assim que possível”.

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LIGAÇÕES PERIGOSAS

No jornal “The Star” do dia 28 de dezembro, uma reportagem me chamou atenção pelo seu pé e não pelo lide. O título dizia que polícia investigava 76 milhões de rands misteriosos. Dois homens vindos de Moçambique com o dinheiro foram presos. Eles viajavam de Joburg para Dubai com as notas dividas em 12 malas.

A suspeita é que o dinheiro tenha vindo do Paquistão e seria destinado para o Estado Islâmico. O embaixador do Iraque na África do Sul disse ao jornal que não estava surpreso com o flagrante porque a atividade do EI no país está crescendo. Ainda de acordo com ele, o EI tem recrutado pessoas e angariado fundos para suas atividades na África do Sul. “We know there are people sympathetic to them in South Africa and that there are groups who could be financing them”, disse o embaixador.

A manchete do “Mail & Guardian” do dia 8 de janeiro diz que Zuma recebeu secretamente dinheiro do presidente da Líbia, Muammar Gaddafi. A informação veio de documentos, até então secretos, da época em que Hillary Clinton era secretária de Estado nos Estados Unidos. Hillary teria dito na época que Zuma estava no bolso de Gaddafi.

*Atualizado em 11/01/2016

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-Are you Muslim?

-Yes, but I’m not a terrorist – she answered me, laughing, the mother of the house -she wasn’t wearing hijab.

That was one of my first conversations when I arrived at the house of the family that hosted me for a month in Cape Town. The relatives of the family received foreigners in their home requested to be called mom and dad. As my trip was planned at the last minute, I could not choose where I would stay and I ended up not asking. And, I confess, I was surprised.

The house is in Bo Kaap, the Muslim neighborhood located in central Cape Town. The area, tourist attraction known for its colorful houses -many of them having hosts students, doesn’t have a very good reputation. Despite the friendliness and hospitality of the locals, everybody advise ne not to walk alone in the neighborhood at night. During my stay, a student at my neighbor’s house was attacked close to home.

On my street, I found a double storyed house with writings that I couldn’t understand also a Palestine flag perched and one clean word: Hamas. Unfortunately, I didn’t ask for the family that received me what the place exactly is. The subject in the neighborhood and among my Saudis school collegues (there are many) is taboo. A Saudi, who was in my class a few weeks, when asked by another Brazilian about terrorism, pretended not to understand her English. Most of the time they don’t answered when confronted on the issue.

In October, the President of South Africa, Jacob Zuma, who signed a document in support of the Palestinian cause, received in Pretoria the head of Hamas, Khaled Meshaal. During the visit, Meshaal compared the struggle against apartheid with the struggle for Palestinian statehood. Nelson Mandela and him party, ANC, supported of the Palestinian cause.

I found an article in the “Mail & Guardian” of October that says the ANC (Zuma’s party also) at the time was discussing whether Hamas could or couldn’t open an office in South Africa. In another newspaper, Meshaal said they would open an office “as soon as possible.”

DANGEROUS CONNECTIONS

In “The Star” newspaper of 28 December, the foot note, not the lead, of an article caught my attention. The title just stated that police investigated the mistery of 76 million rands (about US$ 4,6 millon). Two men from Mozambique were arrested in possession of the money. They traveled from Joburg to Dubai with the cash in 12 bags.

It is suspected that the money came from Pakistan and was intended for the cause os Islamic State. Iraq’s ambassador to South Africa, told the newspaper that he was not surprised by the blatance because the Islamic State activity in the country was growing. Also according to him, the Islamic State has been recruiting people and raising funds for its activities in South Africa. “We know there are people sympathetic to them in South Africa and that there are groups who Could be financing them”, said the Ambassador.

The headline of “Mail & Guardian” of January 8 says Zuma secretly received money from the late Libyan President, Muammar Gaddafi. The information came from documents, recently secret, the time when Hillary Clinton was Secretary of State in the United States. Hillary at the time said that Zuma was in Gaddafi’s pocket.

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